Expresso o inexpressável, por isso é indefinido!


[expresso o inexpressável, por isso é indefinido]
Deixar no subentendido é a melhor forma de se dizer quem somos. O silêncio diz muito.
E se souberes de mim, por favor diga-me, tenho ocupado meu tempo em me libertar e viver.
Me entender/descrever agora, seria me retardar em alguns sentidos!

{Paula Nonato}

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A viagem


 Aproximados duzentos e quarenta e seis quilômetros e um sol ardente de quase quarenta e dois graus.
 Chegamos ao nosso destino, felizes e ao mesmo tempo ansiosas por não sabermos o que iríamos encontrar.
 Bom, na verdade sabíamos.
 Ele reclamava de calor, de sede e fome.
 Pela janela do quarto chorei ao vê-lo pela primeira vez. Ele sorriu.
 Por quatro horas, esperei no carro, ouvindo uma boa música e emocionada pela situação...
 Logo eu entrara no quarto, recebida por mais outro sorriso, meio canto de boca como quem não tem mais força pra viver, mas que ainda lutaria para esse fim. Apresentei-me:
 - Oi, tudo bem? Como se alguém pudesse estar bem depois de dois meses internado. Ainda assim ousou a responder-me que sim, sempre, sempre acompanhando a tentativa de um sorriso.
 Faltava fôlego mais perguntou meu nome.
-Paula. Ana Paula!
-Nome bonito.
 Sorri também.
 Falamos sobre quase tudo até que ele perguntou se eu ainda estudava.
- Faço técnico em Arte Dramática e logo mais pretendo começar a fazer fotografia, gosto de arte!
 Ele, com um ar descontraído, acho que querendo escapar da realidade brincou:
- Uma menina arteira?!
 Sorrimos por cinco segundos exatos, faltava-lhe o ar. Pediu desculpa pela situação e eu não tinha o que fazer, uma vez que a única vontade era chorar...
 Ele estava ali não só pela idade que traz suas consequências, mas pelo cigarro nosso que fumamos a cada dia querendo amenizar/saciar qualquer agonia ou vício da vida.
 Arrisquei outra brincadeira.
-Quanto tempo! De repente o senhor sumiu... Mas de vinte anos, eu acho!
-É a vida minha filha, a vida. E não me arrependendo de nada que tenho feito dela!
 Senti vontade de viver na mesma intensidade que ele apresentava-me ter vivido.
 Nada de mulheres, nenhuma das tantas que tivera com a vida de caminhoneiro. Nem filhos, dos três que acho que tem. E por ele ninguém, pelo fato de não ter que depender ou dar algum tipo de trabalho. Orgulho. Acho que por ele, morreria naquela cama de hospital sozinho assim como chegara até ali.
 Orgulho!
 A noite chegava trazendo uma brisa boa, mais pra chuva do que pra brisa e eu ali ainda sem saber o que esperar dos quatro dias restantes que eu passaria com ele!
 Fumei dois cigarros tentando descrever os dias que faltavam, mas como prever o amanhã?
 Choveu forte, como se algo quisesse tirar meus pensamentos dessa situação, então, fechei a agenda velha rabiscada de meus traços e decidi viver um dia de cada vez com ele ali procurando o cheiro da chuva sorrindo de canto de boca com um olhar que brilhava fosco e piscava lento.
 Disse que precisava ir, tomar um banho, comer. Descansar. Beijei sua testa enquanto apertava minha mão, de dor, acabara de tirar sangue para novos exames. Uma lágrima caiu e aí ele me agradeceu.