Fico pensando às vezes até que ponto somos
aquilo que queremos ser ou aquilo que outros querem que sejamos, até que ponto
tudo deixa de ser projeção e até quando conseguimos ver as coisas que realmente
fascinam e que no fundo jamais serão nossas de fato, onde amar é apenas
conseguir ver e desamar é já poder não enxergar mais nada.
As pessoas
quebram, fraturam ossos, perfuram, se matam e nem percebem. Ninguém percebe que
está vulnerável a quebrar das formas mais trágicas ou também das formas mais
belas, não, dessas coisas ninguém quer saber.
Sempre
existe um grito de horror, sempre têm dor física, um grito diferente pra ser
ouvido em qualquer canto da cidade morta, sempre tem, mas dessas coisas ninguém
quer saber e eu fico pensando mais uma vez se essas coisas são reais, porque eu
deixo de entender se o certo é o que vivo na maioria das vezes ou se é o que
vejo quase nunca.
Quase nunca
eu vejo borboletas vermelhas, vermelho sangue, e aí é hora de eu me quebrar
mais uma vez, como um mal necessário, eu me desconcerto, viro cacos. Eu encaro
algumas pessoas, assim olho no olho, em silêncio e vejo bem no fundo a vergonha
delas por me verem quebrada, por saberem que jamais serei a mesma e que com
elas não será diferente como se o ato de se quebrar várias e várias vezes fosse
vergonhoso, fraco, elas não aceitam a ideia de morrer e não entendem que o
quebrar é consequência de ainda acreditar na vida porque viver é rearranjar
nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços.
Eu queria
acreditar em Deus, mas faz tanto tempo que ele morreu, eu queria acreditar no sol,
mas até ele morre mesmo nascendo todas as manhãs, e eu não posso me
contradizer, prefiro deixar duas gravatas na gaveta, uma camisa na cama, a
toalha no banheiro, uma fotografia na estante, para que possa existir um
sorriso de quem vê com saudade tudo o que de fato tenho lutado para deixar
vivo. Na verdade eu queria poder entender mais dessas coisas.
A verdade? A
verdade todo mundo já sabe, todo mundo quebra. Você, ao ler-me, quebra. Quebram
todas as suas expectativas e eu não faço por mal. A verdade é que tem gente que
quebra porque não consegue esfarelar tudo de si sem ter que justificar, ao
acreditarmos que barcos de papel não afundam, quebramos.
Me dói a
espera, me dói as palavras e eu me recrimino porque me dói a esperança, viver
dói e morrer é prejuízo, assim, exatamente nessa ordem com tons pastéis. No meu
quarto tem cigarros e um lindo quadro negro, nunca pude entender muito bem sobre
ele, assim como não entendo dessas coisas de arte, mas ele me olha toda noite e
eu acho que é pra não me deixar só, porque à noite, todos sabem que é à noite que
os pensamentos atormentam não que sejam obscuros na sua essência, mas eles
sempre estão lá pra te fazer chorar.
Não gosto de
ciclos, prefiro vírgulas e reticências, nada de pontos finais, e é assim que eu
vou levando, que eu dou um jeito, é assim que vou arrumando minhas desculpas
aceitando um pouquinho que cada um quer dar, revelando vez ou outra, algumas
aspas, superando.
Detesto
receitas, coisas milimetricamente projetadas, vez ou outra até suporto, mas eu
gosto do que é novo e na vida a gente sempre tem que reinventar dia a dia. Não
gosto de beijo no rosto, aperto de mão, respostas previsíveis e cigarros
fumados. Prefiro beijo na boca, abraço de urso e respostas bem dadas ou até
mesmo o silêncio, gosto mesmo de um maço de cigarros só pra mim.
Detesto egoístas
e adoro todos os detalhes de qualquer história fascinante, porque histórias
fascinantes não me pertencem e aí as borboletas, vermelho sangue, sangram. Na
minha hipocrisia deixo-me por um instante de ser eu, esqueço-me que não é só a
mim que eu quebro dia a dia, mas também as pessoas que por aqui passam. Todas,
sem escapar um, eu as quebro porque não permito que elas vejam que eu sangro e
eu quero ser forte, não quero sentir vergonha.
A verdade? A
verdade todo mundo sabe...