Eu
procuro inspiração, eu necessito vomitar o que sinto, não procuro organizar as
formas, conjugar meus verbos, pontuar as oxítonas e tampouco os meus finais.
Não
quero preencher uma página em branco com sentimentos meus ocultos. Não faço
verdade de nada que digo aqui. Não, não quero causar nada em ninguém, não sou
capaz de cuidar do que causo em mim mesma. Inspiração, eu procuro uma
inspiração apenas.
Sinto
dor, tenho segredos, minto e choro, amo, assim como todo mundo e não quero ter
que usar de algumas belas palavras ou ridículas palavras para expor-me a todo o
resto de gente mórbida que por aqui passa.
Eu
fecho os olhos, eu choro sozinha, tenho saudades de coisas que ainda não me
pertencem e talvez jamais pertençam. Está frio no meu quarto, o céu está escuro
e a lua está cheia. Troquei alguns móveis de lugar, assisti a alguns filmes,
lavei uns copos. Será que isso surpreende alguém que lê? É poético para quem
crê? Faz sentido em outras realidades? Mais alguém ai do outro lado sabe do que
estou falando? Vamos conversar essa noite, trocas figurinhas até minha angustia
passar?
Verifiquei
o horóscopo, visitei a cartomante, invoquei um espirito, confessei e nada. Nada
se tornaria num sentido próprio. Cortei uma veia, assim, como se ninguém
importasse. Ainda dói.
Avistei
um avião, sonhei voar com ele. Sorri. Há tempos que eu não sorria com
sinceridade. Ainda dói.
E
aí, regurgitei frases não premeditadas, joguei toda minha angústia pro alto
ouvindo a mesma música cinquenta e três vezes, e o que se torna tudo que digo
pra você? Será que quando procuro comportar tudo em sua forma consigo absorver
sentimentos seus? E agora, diga-me o que sente. Escreva uma carta endereçada a
mim. Coloque purpurinas na sua dor e permita-me ler também. Inspiração, eu
procuro uma inspiração apenas!
[alguém se dispõe a me escrever...]
Carta
[alguém se dispõe a me escrever...]
Carta
Então senti-me tentada a responder , senti me pedida, perdida junto, sei cada vez menos de cada coisa.
Vou responder a uma carta amiga dando cores para minhas dores, como se fosse possível visualizar assim o ar que me falta, inalar uma fumaça que não existe, rosa/amarela poluída de bugigangas de mim.
Não importo-me muito em contornar minhas palavras,escrevo sem preocupação de formar frases com possível digestão, vou apenas deixar vazar o pus de dentro. Não lavei copos, não fiz nada a ideia era quase não me mover, com medo dos cacos de vidro que me cortavam por dentro, então por hoje quase não me mexi,pensando bem há vários dias mexo me cada vez menos,cada movimento gera um enxame de abelhas e sou alérgica a abelhas, especialmente das que moram dentro de mim.Nem sei mesmo qual a lua que esta lá fora, se não fosse por uma cólica leve e uma garganta inflamada eu nem mesma saberia se meu corpo esta ou não anestesiada.Ao olhar outro dia tanto guache, cola e tinta misturadas em um papel, pensei que por dentro de mim também devo ser assim numa pretensão de ser feita de uma arte incompreensível, no fim as cores misturadas estavam cinzas mas ainda lá tinha em sua composição outras cores vibrantes talvez por isso hoje também não me mexi, talvez tentasse não misturar mais nada aos cacos cortantes tão misturados.
Coloco-me muito nua aqui, crua e pelada, para responder essa carta que não tem pretensão de ser poesia, nem de falar de amores como se os amores fossem "o" mais importantes.Amores são apenas parte, uma parte que todo mundo gosta de falar assim como de sexo que todo mundo gosta de ver,ouvir, ler, sentir estar dentro, entendem?Mas eu nua aqui falo que o que menos me preocupa hoje são os amores e sexos da poesia e sim a poesia que faz a água quando cai do meu chuveiro, a poesia da diarreia , isso basta-me mesmo sendo afiado, isso basta-me mesmo não sendo o tom de azul certo, serve como sentimentos menores que me olham os olhos suplicando atenção.
Não corte as veias, já são tantos cortes e a principio parece a dor compensa-la da culpa do não saber ou do perdido voar por dentro, não se corte como se ninguém se importasse porque talvez alguém se importe e talvez não, e dai?Não corte-se pode ser que isso traga ou não uma cicatriz e a ausência da cicatriz pode mesmo deprimi-la.É como se nem mesmo a cicatriz quisesse pertence-la.Lembrei que alguém um dia me disse que eu era feita de fossa, eu não tenho duvida de que essa pessoa realmente me conhece bem, ah se cada um olhasse para a própria fossa e conseguisse perceber dali alguma beleza, se o mundo olhasse a sua miséria ou ao menos nós duas amigas pudéssemos ter a crença da imensa linda merda que somos nós,mas e dai?Por fim continuo aqui quase imóvel como um móvel qualquer,lembra quando disse-lhe dos cacos que aos pedaços afiados me cortavam por dentro,lembrei que vidro é feito de areia e calor, sou um grão cheia de outros grãos com algo quente em algum lugar e isso é bom, quem sabe aqueça-me do frio da solidão e do abandono que por vezes declaro a mim mesma, da gosma e do gozo que sou feita.
Beijos...
[por CAMILA ALVIM]
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